Leia o texto da Acadêmica Vanderlan Bolzani publicado no Jornal da Ciência em 7 de março:
A data que comemora o Dia Internacional da Mulher, 8 de março, é sempre um momento que nos obriga a pensar na questão essencial para a humanidade que é a luta feminina por igualdade de direitos e emancipação. Aos olhos dos bem-intencionados, esse longo trajeto, que vem do início do século passado, quando a data foi criada, até hoje, deveria ter sido suficiente para que os principais objetivos dessa luta, ou a maior parte deles, fossem alcançados. No entanto, o cenário com que nos deparamos hoje, em 2025, desfaz essa ilusão e nos leva a questionar por que esse avanço é tão difícil.
Houve ganhos consistentes ao longo desse período, sem dúvida. Sobretudo nos países que contam com sistemas políticos democráticos, com menores índices de desigualdade social, onde velhas barreiras que impediam a participação da mulher na sociedade foram abaladas. Esses ganhos abriram espaços para aumentar a presença feminina na política, para a igualdade de direitos civis frente às instituições e para acesso a postos de trabalho antes exclusivos dos homens, alterando assim, parcialmente, a feição tradicional de sociedades patriarcais.
Mas legislações mais progressistas e a conquista parcial de novos espaços profissionais não foram suficientes para se alcançar um patamar desejável de igualdade e emancipação.
Pode-se dizer que, no Brasil, chegamos a 2025 com o poder das velhas estruturas, das visões conservadoras, ainda fazendo valer sua força que se manifesta às vezes de forma pouco visível, embora efetiva. As instâncias de poder no mundo do trabalho continuam sendo majoritariamente masculinas, em grande escala. Mulheres com vida profissional vivem a dupla jornada que soma o trabalho na empresa e a responsabilidade pelos cuidados da casa, onde se inclui a maternidade.
Mesmo em um espaço no qual se espera o predomínio de uma visão de igualdade entre gêneros, como as universidades, o processo de mudança é paralisado pela força do passado.
Esse não era, com certeza, o mundo sonhado pelas visionárias de cem anos atrás que instituíram o Dia Internacional da Mulher. Elas teriam motivos para enorme espanto ao constatarem que muitas sociedades não conseguiram absorver as almejadas mudanças trazidas pela proposta de igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Ficariam também, sem dúvida, chocadas ao verem as estatísticas que registram os casos de violência contra a mulher e de feminicídios e notarem que se trata de um flagelo universal. Dados compilados nos últimos anos pela seção ONU Mulheres e apresentados no web site da entidade no ano passado apontam cinco “descobertas chave” que descrevem um panorama mundial. 1) Mulheres e meninas têm mais chances de serem mortas por pessoas próximas a elas; 2) O feminicídio é um problema universal; 3) A verdadeira escala do feminicídio é provavelmente muito maior; 4) Alguns grupos de mulheres e meninas enfrentam maior risco; 5) O feminicídio pode e deve ser prevenido.
Trata-se de uma história de horror e morbidez onde os “avanços”, são registrados em estatísticas que lembram números de desempenho econômico. “Violência contra a mulher: casos de feminicídio recuam 5% em 2024”, é o título do texto de divulgação publicado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em dezembro do ano passado. Nesse informe ficamos sabendo que até outubro de 2024 tinham sido comunicados ao sistema federal 1.128 mortes por feminicídio no país. Isso, para nosso espanto, significa uma redução de 5.1% em relação ao número de casos comunicados em 2023 e é considerado um avanço significativo.
É provável que no próximo ano, em 2026, venhamos a comemorar um novo “avanço” nas estatísticas divulgadas pelos órgãos oficiais. As comemorações do Dia Internacional da Mulher continuarão, entretanto, sombrias à espera de um mundo com nova mentalidade. Um mundo onde homens e mulheres juntos trabalhem por um mundo sustentável, mais humano, inclusivo e feliz!